Leonardo Boff
Palavras de Leonardo Boff durante um dos seminários promovidos pela 1a. Bienal Brasil do Livro e da Leitura, sediada em Brasília durante o mês de abril de 2012:
PARTE 1 - CRISE
Hoje se fala das muitas crises sob as quais padecemos: crise econômica, energética, social, educacional, moral, ecológica e espiritual.
Se olharmos bem, verificaremos que, na verdade, em todas elas se encontra a crise fundamental: a crise do tipo de civilização que criamos a partir dos últimos 400 anos.
Nos últimos quatro séculos, com a montagem da máquina industrialista, a agressão ao meio-ambiente se fez maciça e sistemática, transformando tudo em recursos para a acumulação e benefícios.
Nos últimos quatro séculos, com a montagem da máquina industrialista, a agressão ao meio-ambiente se fez maciça e sistemática, transformando tudo em recursos para a acumulação e benefícios.
O resultado atual é desolador.
O ser humano elaborou uma relação injusta e humilhante com a natureza.
A terra não aguenta mais a máquina de morte ou a voracidade capitalista.
O ser humano possui uma dívida de justiça para com a Terra.
A Terra possui sua subjetividade, sua dignidade, sua alteridade, seus direitos.
Ela existiu há milhões de anos antes que surgisse o ser humano.
Ela tem direito a continuar a existir em sua complexidade, com seu patrimônio genético, com o seu bem comum, com o seu equilíbrio e com as possibilidades de continuar a evoluir.
Ao lado da chaga da agressão sistemática à Terra, que desestrutura o equilíbrio do planeta, outra chaga que sangra nos tempos presentes é a chaga da pobreza e da miséria.
Dentre os paradigmas da modernidade, constata-se que os problemas tem se agravado a nível mundial.
Há hoje mais pobreza e mais violência generalizada do que antes, tanto nos países ricos quanto nos países empobrecidos.
O capitalismo criou uma cultura do eu sem o nós.
O meu carro, o meu salário, a minha renda. O roteiro de férias da minha família. O meu novo celular, iPad, tevê LCD-3D 40”, e minhas tantas outras bugigangas eletrônicas...
Por sua vez, o socialismo criou uma cultura do nós sem o eu.
Agora precisamos da síntese que permita a convivência do eu com o nós.
Nem individualismo nem coletivismo, mas democracia social e participativa.
Precisamos fazer uma autocorreção com referência à concepção do ser humano, à integração do feminino e à aliança com a natureza.
Daí podem nascer a nova espiritualidade e o fio que tudo re-liga.
PARTE 2 - TRANSCENDÊNCIA
"Transcendência (sf.): do latin trans-ascendere: evoca a ideia de subir além, a propriedade daquilo que está acima de uma dada ordem de realidade, sublimidade, grande importância, que vai além do ordinário, que transcende os limites da experiência possível."
Talvez a melhor definição que se tenha dado ao ser humano seja esta: ele é um nó de relações, voltado para todas as direções.
Isso significa que ele é pessoa, quer dizer, um ser aberto a dar e a receber, à participação, à solidariedade e à comunhão.
Todos estes termos mostram que os caminhos humanos são de duas mãos.
Quanto mais o ser humano se comunica, sai de si, se doa e recebe o dom do outro, mais pessoa ele é.
O ser humano possui subjetividade, capacidade de comunicação com sua interioridade e com a subjetividade dos outros...
...é capaz de valores, de compaixão e solidariedade com os mais fracos e de diálogo com a natureza e a divindade.
Eis a espiritualidade.
O ser humano é um nó de relações, voltado para todas as direções.
Agora precisamos da síntese que permita a convivência do eu com o nós.
O processo de crescente globalização que se dá em todas as esferas da vida humana e social carrega consigo as sementes de uma nova civilizaçao, como espécie e como família.
As mudanças são tantas que equivalem a uma vasta revolução de dimensões planetárias.
Tudo se redefine: a consciência das pessoas, o sentido da vida, a experiência do Sagrado, a economia, a politica, a cultura, o regime de trabalho e a ética.
As perplexidades atuais derivam do fato de que ninguém pode realisticamente dizer para onde caminha o processo de globalização.
Nele há muitos riscos, mas também incomensuráveis oportunidades.
A meu ver, não estamos num quadro de tragédia, mas de crise.
Toda crise acrisola, purifica e amadurece as pessoas e as sociedades.
As dores não são de morte, mas de parto de uma nova fase da trajetória humana.
Nunca deixe morrer o sonho de uma humanidade melhor.