07 junho 2012


                                                                     Leonardo Boff



Palavras de Leonardo Boff durante um  dos seminários promovidos pela 1a. Bienal Brasil do Livro e da Leitura, sediada em Brasília durante o mês de abril de 2012:


PARTE 1 - CRISE

Hoje se fala das muitas crises sob as quais padecemos: crise econômica, energética, social, educacional, moral, ecológica e espiritual. Se olharmos bem, verificaremos que, na verdade, em todas elas se encontra a crise fundamental: a crise do tipo de civilização que criamos a partir dos últimos 400 anos. 

Nos últimos quatro séculos, com a montagem da máquina industrialista, a agressão ao meio-ambiente se fez maciça e sistemática, transformando tudo em recursos para a acumulação e benefícios.


O resultado atual é desolador.



 

O ser humano elaborou uma relação injusta e humilhante com a natureza. A terra não aguenta mais a máquina de morte ou a voracidade capitalista. O ser humano possui uma dívida de justiça para com a Terra. A Terra possui sua subjetividade, sua dignidade, sua alteridade, seus direitos. Ela existiu há milhões de anos antes que surgisse o ser humano. Ela tem direito a continuar a existir em sua complexidade, com seu patrimônio genético, com o seu bem comum, com o seu equilíbrio e com as possibilidades de continuar a evoluir. 














Ao lado da chaga da agressão sistemática à Terra, que desestrutura o equilíbrio do planeta, outra chaga que sangra nos tempos presentes é a chaga da pobreza e da miséria.
Dentre os paradigmas da modernidade, constata-se que os problemas tem se agravado a nível mundial.
Há hoje mais pobreza e mais violência generalizada do que antes, tanto nos países ricos quanto nos países empobrecidos. 

























O capitalismo criou uma cultura do eu sem o nós. O meu carro, o meu salário, a minha renda. O roteiro de férias da minha família. O meu novo celular, iPad, tevê LCD-3D 40”, e minhas tantas outras bugigangas eletrônicas... 

Por sua vez, o socialismo criou uma cultura do nós sem o eu. Agora precisamos da síntese que permita a convivência do eu com o nós. Nem individualismo nem coletivismo, mas democracia social e participativa. 

Precisamos fazer uma autocorreção com referência à concepção do ser humano, à integração do feminino e à aliança com a natureza. Daí podem nascer a nova espiritualidade e o fio que tudo re-liga. 





PARTE 2 - TRANSCENDÊNCIA

"Transcendência (sf.): do latin trans-ascendere:  evoca a ideia de subir além, a propriedade daquilo que está acima de uma dada ordem de realidade, sublimidade, grande importância, que vai além do ordinário, que transcende os limites da experiência possível."

Talvez a melhor definição que se tenha dado ao ser humano seja esta:  ele é um nó de relações, voltado para todas as direções. Isso significa que ele é pessoa, quer dizer, um ser aberto a dar e a receber, à participação, à solidariedade e à comunhão. Todos estes termos mostram que os caminhos humanos são de duas mãos. 

Quanto mais o ser humano se comunica, sai de si, se doa e recebe o dom do outro, mais pessoa ele é.
 O ser humano possui subjetividade, capacidade de comunicação com sua interioridade e com a subjetividade dos outros... ...é capaz de valores, de compaixão e solidariedade com os mais fracos e de diálogo com a natureza e a divindade. Eis a espiritualidade.

 


O ser humano é um nó de relações, voltado para todas as direções. Agora precisamos da síntese que permita a convivência do eu com o nós

O processo de crescente globalização que se dá em todas as esferas da vida humana e social carrega consigo as sementes de uma nova civilizaçao,  como espécie e como família. As mudanças são tantas que equivalem a uma vasta revolução de dimensões planetárias. Tudo se redefine: a consciência das pessoas, o sentido da vida, a experiência do Sagrado, a economia, a politica, a cultura, o regime de trabalho e a ética. 

As perplexidades atuais derivam do fato de que ninguém pode realisticamente dizer para onde caminha o processo de globalização. Nele há muitos riscos, mas também incomensuráveis oportunidades. A meu ver, não estamos num quadro de tragédia, mas de crise. 
Toda crise acrisola, purifica e amadurece as pessoas e as sociedades. 

As dores não são de morte, mas de parto de uma nova fase da trajetória humana. Nunca deixe morrer o sonho de uma humanidade melhor.

 


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